Serra Pelada: Conheça a história do Rei do Ouro que ficou Pobre.
Reportagem de Marina Falcão.
Em Serra Pelada, o rei do ouro ficou pobre _ Brasil _ Valor Econômico (13/03/23).
Deitado em uma rede após almoço, camiseta com estampa de Homer Simpson e garrafa de aguardente 51 nas mãos, Chico Ozório, 71 anos, diz, sem falsa modéstia, que no Brasil só existem três reis. “O rei Pelé, Reginaldo Rossi e eu”. Conhecido como rei do garimpo em Serra Pelada, vila de Curionópolis, no Pará, ele chegou a encontrar 647 kg de ouro no local, no início dos anos 80, volume que corresponde hoje a cerca de R$ 194 milhões. Mas o garimpeiro perdeu tudo.
O verbo bamburrar, amplamente usado na Amazônia, significa encontrar, por acaso, ouro e pedras preciosas. Em Serra Pelada, muita gente bamburrou na década de 80, mas há pelo menos 30 anos, ninguém bamburra mais por lá. A 110 km de Cannã dos Carajás, o local é hoje um retrato da decadência de quem fez fortuna, dobrou a aposta, faliu e até hoje cultiva a obsessão de achar ouro novamente.
No auge do garimpo em Serra Pelada, Ozório teve dois aviões Cessna 210. Ele lembra que um dia, de uma só vez, comprou 18 carros para doar a parentes em Fortaleza. “Eu só andava com Gretchen e Rita Cadillac por aí”. A cantora e a ex-chacrete, assim como o Reginaldo Rossi, faziam shows com frequência na região.
A história de Ozório é confirmada por outros moradores de Serra Pelada. A forma como o rei perdeu tudo não difere muito de outros relatos locais. Além de gastança, os garimpeiros quebravam porque reinvestiam todos os lucros no próprio garimpo e, mais cedo ou mais tarde, davam azar.
Apesar de Chico Ozório ser uma lenda viva, a história mais famosa em Serra Pelada é de Índio. Garimpeiro talentoso, muito bamburrado, Índio foi ao aeroporto com objetivo de ir ao Rio de Janeiro. A atendente da companhia aérea, no entanto, não quis lhe vender a passagem porque ele estava todo sujo. Indignado, ele chamou o gerente da empresa, mostrou o saco de dinheiro e fretou um voo exclusivo para ele e um amigo.
Quando já estava no meio do caminho, Índio se deu conta que tinha esquecido o chapéu e fez o piloto dar meia volta para buscar. Ele morreu cinco anos atrás, na pobreza, em Serra Pelada.
Os garimpeiros trocavam o ouro de Serra Pelada por dinheiro em uma agência da Caixa Econômica Federal. Do total, 30% era retido pelo governo. Atualmente, 45 mil garimpeiros idosos, dos quais cerca de 350 residentes de Serra Pelada, estão reunidos em uma cooperativa para brigar na Justiça por esse dinheiro, que eles chamam de indenização.
Genésio Nunes, 61 anos, não tem esperanças de reaver nenhum centavo. “Eu me tornei garimpeiro, mas não peguei a febre do garimpo. A conversa do garimpeiro é muito emocional. Não desisti, mas não tenho ilusão, precisamos de apoio político e jurídico”, diz.
Além da indenização, a cooperativa quer regularizar e vender os direitos de exploração dos garimpeiros para alguma grande empresa. “Hoje o garimpo aqui está travado por interesses grandes da Vale, do governo. Só vive aqui ainda quem não tinha mesmo para onde ir, o meu caso”, afirma Nunes.
Os garimpeiros garantem que ainda há muito ouro em Serra Pelada, mas que o mineral não é encontrado mais sob a superfície. A exploração nas profundezas dependeria de tecnologia cara.
A certeza do ouro é alimentada pelo misterioso sumiço da mineradora canadense Colossus. Em 2011, a empresa abriu uma mina gigantesca em Serra Pelada com a promessa de começar a produzir ouro.
Três anos depois, a Colossus abandonou as atividades alegando “dificuldades técnicas”. Há, no entanto, pelo menos uma teoria alternativa para o real motivo de desistência. O rei do garimpo está no grupo dos que acreditam que a Colossus achou uma grande quantidade de ouro de uma vez e levou embora.
Morando em um barraco de tábuas, Chico Ozório construiu quatro caixas artesanais onde tenta encontrar ouro e paládio diariamente. Ao ver uma mancha branca cortando a terra na parede de um dos buracos – algo que ele chama de “friso” – afirma que isso é indicativo de presença de ouro.
“Como não vi esse friso antes? Como eu sou burro! Vontade de dar um tiro na cabeça”, afirma, furioso consigo mesmo.
Separado da esposa e sem contato com os filhos, o rei do garimpo vive com aposentadoria rural. Às vezes, recebe doações de pessoas da comunidade que ajudou no passado. Se bamburrar de novo, Ozório declara que vai comprar logo um helicóptero. “Já estou perto de morrer, não estou nem aí”.
Garimpo ilegal avança sobre a ‘terra prometida’ _ Brasil _ Valor Econômico (13/03/23)
Com 75 mil habitantes, o município de Canaã dos Carajás, no Sudeste do Pará, faz jus ao nome bíblico da terra de riquezas prometida ao povo de Deus. A cidade experimenta um crescimento econômico sem precedentes, regado a royalties da mineração, desde 2016. No rastro da abundância, avança agora o garimpo clandestino de cobre e ouro.
A terra no entorno de uma mina irregular de exploração de cobre, na área rural do município, brilha como se alguém tivesse derramado purpurina. Escondidos dentro da mata, cinco garimpeiros fizeram uma escavação com profundidade de 20 metros – que eles chamam de “caixa”, de onde é extraído o mineral. Um deles aponta para um aglomerado de pedras de diferentes tamanhos e tons de metálicos de dourado e azul. “É diferente o teor, mas é tudo cobre”.
Próxima à mina do Sossego, da Vale, a área está sob posse da mineradora – a propriedade é da União. De lá, se ouvem as explosões provocadas pela atividade da mineradora. Dá para sentir a terra tremer e ter uma vista única para uma montanha de rejeitos da operação da mineradora.
“Onde há cobre, há ouro” é provavelmente a máxima mais popular da mineração. Bem próximo às minas subterrâneas de cobre no entorno do Sossego, há uma lavra de ouro, a céu aberto. “Aqui até no asfalto tem ouro”, afirma um garimpeiro, garantindo que não está exagerando. A terra que a prefeitura coleta para fazer asfalto é rica em minerais, explica.
O cobre e o ouro clandestinos de Canaã dos Carajás são vendidos a “chineses”, que escoam a produção pelos terminais portuários de Barcarena (PA). É lá que a Agência Nacional de Mineração (ANM) concentra ações de repressão com intuito de sufocar o financiamento da atividade vindo do exterior.
Apenas 30% do território paraense é de jurisdição estadual, o restante fica com o governo federal. Segundo o governo do Estado, houve um enfraquecimento dos órgãos ambientais durante a gestão de Jair Bolsonaro, em especial de fiscalização, o que justifica a expansão das lavras ilegais.
Em sobrevoo recente, uma liderança da política local identificou pelo menos 92 pontos de extração irregular de cobre e ouro no município. Os garimpeiros contam que “são avisados” quando carros da Polícia Federal vindo de Marabá (PA) passam por Parauabepas (PA), a 120 km da cidade. Quando isso ocorre, eles têm cerca de uma hora e 20 minutos para esconder as máquinas e sair do local.
A maioria volta à atividade no dia seguinte. Assustados, alguns abandonam definitivamente as minas, que logo são ocupadas por outros grupos.
De 2022 para cá, a Polícia Federal fez quatro operações na região, sendo uma em Marabá, duas em Canaã do Carajás e uma Curionópolis. Nesta última, ocorreu o sequestro de R$ 161 milhões e o bloqueio de R$ 200 milhões referentes ao valor de avaliação de uma fazenda. O proprietário foi preso preventivamente.
A PF diz que a extração ilegal de minério acarreta “seríssimos danos ambientais como a contaminação de solos e rios”. Em alguns casos, afirma, a atividade ocorre em áreas de linhas de transmissão, gerando risco de desabastecimento energético.
Pesquisador da região vinculado à Unifesspa, Daniel Nogueira diz que há uma aparente “vista grossa” por parte das autoridades e, também da Vale, para evitar o desgaste do enfrentamento. “A pessoa consegue ter acesso de carro a muitos desses garimpos. São pessoas com poder econômico que conseguem desembolsar R$ 4 milhões ou R$ 5 milhões em equipamentos”, afirma Nogueira.
As áreas, projetos e operações da Vale em Canaã dos Carajás ocupam uma área de 414 km quadrados, o equivalente a 13% do território municipal. A companhia diz que as lavras ilegais atrapalham a atração de investimentos e a implantação de novos empreendimentos na região e que presta as informações que dispõe à Agência Nacional de Mineração (ANM).
Mesmo sob tensão diária de ser alvo de operação da PF, garimpeiros dizem que os riscos da atividade se pagam. Durante a fase de obras da abertura das caixas – que podem ultrapassar 50 metros de profundidade – eles recebem do dono da mina cerca de R$ 5 mil mensais. Quando começa a produção, o salário fica entre R$ 12 mil e R$ 15 mil, conforme desempenho. “Os salários aí fora são muito ruins”, afirma um garimpeiro. Com apenas o ensino fundamental, ele já chegou a receber R$ 27 mil de remuneração mensal na lavra.
Reunidos em uma cooperativa, 49 garimpeiros – que preferem ser chamados de pequenos mineradores – querem regularizar um dos modelos de extração. “No caso das minas subterrâneas de cobre, o impacto ambiental é mínimo, quase sem desmatamento. Quando acaba a extração, o local vira um poço de água natural”, afirma Vado Casadei, tesoureiro da cooperativa.
Os garimpeiros defendem que é injusto que toda exploração mineral fique sob monopólio da Vale e outras grandes empresas.
Segundo Casadei, não dá para colocar toda a atividade de garimpo no mesmo pacote de regras. Ele, por exemplo, não defende o garimpo a céu aberto de ouro, por conta de elevados impactos ambientais, mas o garimpo de cobre no subsolo legalizado seria um importante gerador de renda e emprego, defende. “Há dono de terra aqui morando em cima de milhões, alguns passando necessidade, porque não podem explorar”, afirmou. Ele destaca ainda que Canaã não é território indígena.
A cooperativa de pequenos mineradores vinha dialogando com o governo Bolsonaro para sair da clandestinidade. Com a eleição de Luís Inácio Lula da Silva para a Presidência, o debate voltou à estaca zero.
No fim do ano passado, Casadei decidiu se afastar da presidência da cooperativa depois de ter sido ameaçado de morte e ter presenciado uma operação da Polícia Federal. “Não vim para cá para matar ou morrer”, diz ele, que á natural do Paraná. O comando da cooperativa ficou com Gladston de Paiva, ex-dirigente da empresa de saneamento do município.
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