
O grito de socorro que ‘Manas’ leva ao cinema, retrata a exploração sexual infantil na Ilha do Marajó
As violações acontecem, em sua maioria, nas áreas de difícil acesso, como nas balsas do Rio Jaburu, que levam e trazem os itens necessários para a subsistência da população local.

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Portal 92amz– Com Informações do Portal ICL
Foto Agência Brasil
Luiz Reis @luizreis653/ (92)98151-7280

A história de Tielle, uma menina de 13 anos inserida no ciclo de abusos endêmicos da Ilha do Marajó, no Pará, é o ponto de partida do filme “Manas” para jogar luz sobre os casos de abuso e exploração sexual infantil na região. Inspirada em histórias reais, a produção recém-lançada escancara a dramática situação das crianças, agravada pela inoperância do poder público.
A vida da adolescente é semelhante a de milhares de outras meninas marajoaras. Entre 2019 e 2022, 14 mil bebês nasceram de mães com até 19 anos, representando mais de um quarto da natalidade da Ilha. Segundo dados do Ministério Público do Pará, no mesmo ano foram registrados 550 processos contra abusos cometidos em crianças no arquipélago, chegando à média de 1,5 por dia.
No longa, o caso de Tielle é investigado pela policial Aretha, interpretada por Dira Paes. A personagem é inspirada no Delegado Rodrigo Amorim e na Irmã Marie Henriqueta Cavalcante, que há anos combatem juntos os crimes contra menores.
Em entrevista ao ICL Notícias, os dois denunciam o abandono do Estado e ressaltam a importância do trabalho que realizam de prevenção e defesa contra exploração sexual infantil no Marajó.
Atuação na Ilha de Marajó
Situada no extremo norte do Pará, a Ilha de Marajó é um arquipélago com 17 municípios e mais de meio milhão de habitantes – e com um dos piores Índices de Desenvolvimento Humano do Brasil. É nesse cenário de omissão do poder público que crimes como a exploração sexual de crianças e adolescentes encontram espaço para se perpetuar, muitas vezes diante de todos e envolto em silêncio.
As violações acontecem, em sua maioria, nas áreas de difícil acesso, como nas balsas do Rio Jaburu, que levam e trazem os itens necessários para a subsistência da população local. As famílias, que muitas vezes não encontram outras formas para comprar alimentos, gasolina ou até mesmo água, acabam usando suas crianças como moeda de troca e, consequentemente, as inserindo na cultura da exploração.
A geografia da Ilha também é um agravante para o combate aos crimes, uma vez que ela atrasa o andamento das investigações. Irmã Henriqueta, que está há 25 anos na linha de frente contra a exploração sexual no Marajó, explica: “Quando uma criança é violentada em uma região longínqua do Marajó, ela precisa se deslocar. E como não tem centro de perícias em todas as regiões, a criança precisa passar horas e até dias no barco – isso quando tem barco – e a materialidade para o exame acaba sendo perdida”.

O trabalho de combate do delegado Rodrigo Amorim também é afetado pela logística do arquipélago: “O problema é que a gente está tratando de uma região que tem o tamanho do Estado do Rio de Janeiro, toda cercada por rios. Se você se deslocar 200 metros de lancha, você vai gastar um valor muito alto. Então a logística da nossa região também é custosa”.
Diante da situação alarmante da região, em 2022 foi criado o Instituto Dom Azcona, atualmente presidido pela Irmã Marie Henriqueta. Inspirado na atuação do Bispo Dom José Luís Azcona, que denunciou inúmeros crimes na Ilha, o instituto trabalha na prevenção e defesa das vítimas . “O Instituto é um canal aberto para que as pessoas possam denunciar. Nós também acompanhamos o encaminhamento e o monitoramento dessas denúncias”, explica Irmã Henriqueta.
Ela ressalta que o maior parceiro do instituto é a Polícia Civil, responsável por deflagrar diversas operações de batidas nas balsas, com o fim de tentar neutralizar esse tipo de crime contra os menores. O delegado Rodrigo Amorim, que atuou na operação “Anjos das Águas”, compartilha uma cena que inspirou o roteiro de Manas: “A gente tirou meninas, crianças de nove anos, dentro de uma balsa sendo exploradas sexualmente”.

Negligência do Estado: um ciclo sem fim
Mesmo com a forte ação policial, o delegado ressalta que, por conta da ausência de políticas públicas, o problema vai permanecer em um ciclo sem fim: “Para que o combate à exploração sexual no Marajó seja eficiente, precisamos do Estado com uma presença efetiva na região, que traga educação e saúde de qualidade, e perspectiva de crescimento”. Ele ainda reforça: “A polícia sozinha não resolve. A gente tira as crianças daquela situação, mas em uma semana elas voltam para aquele contexto”.
Irmã Henriqueta compartilha uma história que a marcou profundamente, e que serve de exemplo para esclarecer como a negligência do Estado brasileiro contribui para a situação de abuso e exploração sexual no Marajó : “Uma vez nós conseguimos resgatar uma criança da balsa. E ela me questionou: se vocês tiram a gente daqui, e quem vai dar pra nós o que precisamos?”.
A última vez que a Ilha de Marajó estampou as manchetes do Brasil, foi quando a ex-ministra dos Direitos Humanos e atual senadora, Damares Alves (Republicanos-DF), espalhou histórias falsas sobre situações mentirosas que crianças marajoaras estavam sofrendo. Delegado Amorim classifica que a consequência foi o aumento do preconceito e da estigmatização da população:”Se você perguntar sobre a Ilha do Marajó a qualquer pessoa, elas vão dizer que é onde as meninas não usam calcinha e tiram os dentes pra fazer sexo oral. São fake news horríveis”.
Frustração e impunidade
O abandono escancarado do Estado e as constantes denúncias sem resultado geram um clima de frustração e impunidade. “A gente vive enxugando gelo. É desgastante, porque quando você denuncia um caso de uma pessoa poderosa, ela acaba saindo impune. Isso é um absurdo” afirma Irmã Henriqueta.
“Chegou o momento de dar um basta. Falar que o crime existe não é suficiente. Precisamos combater, ter uma atuação ativa”, diz Irmã Marie Henriqueta Cavalcante
Ela lembra do caso de um ex-deputado da região, que realizava abusos sexuais com uma criança que mantinha em cárcere privado. A denúncia foi parar em uma CPI, mas o esforço não resultou em condenações: “O Conselho Tutelar foi até a casa e tirou essa criança dele. Ele ia ser cassado, mas ele renunciou antes disso. Nunca foi preso”.
Depois desse caso, Irmã Henriqueta começou a receber várias ameaças e teve que ser inserida no Programa de Proteção de Testemunhas do Estado: “Ele (o ex-deputado) passou a ter muita raiva de mim. Então ingressei no programa pra poder continuar meu trabalho. Eu passei cinco anos recebendo a escolta direto da Polícia Civil” e ressalta: “Hoje eu não fico mais só”
Expectativa com o filme Manas
A esperança de quem vive essa realidade na linha de frente é que Manas não seja apenas mais uma denúncia que se perde no tempo. Para o delegado Rodrigo Amorim, o principal recado do filme deveria ser um apelo direto ao poder público: “Quero que o filme faça com que o Estado olhe pra região marajoara.”
Depois de dezenas de entrevistas concedidas à imprensa, universidades e instituições, ele confessa a frustração: “Eu sempre dou, com o objetivo de mudar a qualidade de vida de quem vive na Amazônia Marajoara. E eu fico muito frustrado porque não é mudado nada.”

Irmã Henriqueta compartilha do mesmo sentimento: “A gente não quer que o filme venha fazer com que as coisas continuem do mesmo jeito, porque senão é uma reprodução daquilo que a gente já vem fazendo há tantos anos.” O desejo dela é que a obra provoque uma reação concreta: “Queremos que isso dê uma chacoalhada no poder público do Estado, para que olhe pra região do Marajó — principalmente para as nossas infâncias. Para que elas não continuem do mesmo jeito.”
“Nós queremos, sim, que as nossas crianças, adolescentes e mulheres sejam reconhecidas não pela dor que carregam, mas pelo imenso potencial que têm. Que sejam vistas como protagonistas de transformação. Mas, para isso, é preciso que existam oportunidades reais.” Para ela, o filme deve ser um ponto de virada: “O que queremos é que Manas ajude a abrir caminhos, que traga possibilidades concretas para que a população local viva com dignidade”, finaliza a Irmã.

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