
Marina Silva é o retrato da mulher evangélica, favelada e negra
“Eu não sou uma mulher submissa!”

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Portal 92amz (92)981517280/Por Valdemar Figueredo (Dema) Colunistas ICL

Na terça-feira (27), a Marina Silva, Ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima do Brasil, compareceu como convidada à Comissão de Infraestrutura do Senado Federal e foi vítima de sexismo. O Senador Marcos Rogério (PL-RO), em tom intimidatório, disse:
– Me respeite, ministra, se ponha no seu lugar!
A ministra é evangélica, vinculada à Assembleia de Deus. O Senador Marcos Rogério é evangélico, membro da Igreja Assembleia de Deus em Ji-Paraná, Rondônia.
O comportamento misógino, machista e racista do senador foi aprendido na Igreja em que congrega? Suponho que não.
Pesquisei a biografia do Marcos Rogério no Portal da Câmara dos Deputados e no Portal do Senado Federal. Nenhuma menção de pertencimento à Machonaria ou aos Legendários.
A Machonaria se apresenta como Confraria Nacional de Homens. Liderada pelo imbrochável pastor Anderson Silva. Dizem eles que “o” Machonaria é o Maior Movimento de Masculinidade da América Latina. Eita! Recebem machos ômegas (introvertidos, tímidos e sem confiança) e os devolvem para a sociedade como machos alfas (assertivos, corajosos e líderes). Como fazem isso? A confraria diz que faz uso de uma medicina reformadora. Eita! Eita! Eita!

Sobre Os Legendários, trata-se de “um movimento que leva os homens a uma transformação, encontrando sua melhor versão e um novo potencial”. Para além das hipóteses baseadas em pré-conceitos ou das ilações jornalísticas baseadas em fontes cabulosas sobre o grupo, nenhum legendário que usa a camisa laranja há de negar que o objetivo é reposicionar a masculinidade em casa, na igreja e na sociedade.
O Senador Marcos Rogério não é um macho alfa da Machonaria. Também não reposicionou a sua masculinidade subindo montanhas com os Legendários. A Igreja Assembleia de Deus em Ji-Paraná o ensinou a ser homem? Não sabemos.
Na quinta-feira (29), me arrumei para ir ao culto de oração na Igreja Batista do Leme. O templo fica na subida das favelas Babilônia e Chapéu Mangueira. Desta vez, deixei o carro estacionado na Avenida Atlântica, pertinho do Supermercado Zona Sul.
Necessidade de andar pela comunidade, ouvir as conversas e sentir a temperatura. Em torno das 18h, os mototáxis estão no pico do movimento. Os trabalhadores voltando para casa. O pessoal que movimenta a economia da praia recolhe cadeiras, barracas e mercadorias para guardar em espaços específicos que ficam ao longo da ladeira Ary Barroso. Na porta do Clube Copa-Leme, o agito de quem chega para capoeira, natação, danças, lutas marciais…
Cheguei ao templo ofegante com a subida. Parei na porta. Enquanto recuperava o fôlego, conversava com o Wilmar sobre o jogo do Flamengo na Libertadores no dia anterior. Não como estratégia, mas por necessidade, queria observar mais o movimento na rua. A ideia de pastor de gabinete não me apetece.
Às 19h começamos o nosso culto de oração. O Wilmar continuou na portaria para recepcionar as pessoas. Nesta quinta-feira, excepcionalmente, não abrimos o bazar. No salão, cantamos dois cânticos e passamos para os pedidos de oração. Cadeiras em círculo. Ouvimos uns aos outros. Oramos uns pelos outros. Choramos com uns e rimos com outros. Tudo junto e misturado, sem cerimônia. É terapêutico colocar Deus na roda e falar da vida como ela é.

O tema alcoolismo é recorrente. Na minha experiência pastoral na favela, digo sem hesitar, o problema mais grave e recorrente é o alcoolismo nas famílias. Tratamos isso não na chave do moralismo religioso, mas na dimensão da saúde pública. Sofremos esse drama de diferentes formas. As mulheres evangélicas lidam com os males do alcoolismo eventualmente dentro de casa, dentro da igreja, nas biroscas da favela e nos lares dos vizinhos. Aprendo muito sobre o tema no culto de oração de quinta-feira exercendo a escuta ativa.
Cantamos mais um cântico: “Quero que valorize o que você tem, você é um ser, você é alguém, tão importante para Deus. Chega de ficar sofrendo angústia e dor. Eu venho falar do valor que você tem. Ele está em você, o Espírito Santo está em você!”
No canto, eu me dei conta que era o único homem na reunião de oração. Logo após o cântico seria o momento da reflexão e eu seria o responsável pela ministração. Pensei no Wilmar na portaria. Pensei no que havia preparado e concluí que não seria oportuno. Enquanto cantávamos, por tudo que havia ouvido na roda, respirei fundo e mudei a rota da prosa contando o seguinte caso.
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Dia exaustivo do médico que chegou em casa, tomou um banho morno demorado e depois afundou na poltrona para assistir a um pouco de TV antes do jantar.
Carinhosamente a esposa pôs a mesa. Lasanha à bolonhesa acompanhada de Couve-Flor gratinada com molho branco. Não podia faltar nas refeições um prato com pães frescos cortadinhos.
– E o refrigerante?
– Esqueci! Mas vou fazer um suco rapidinho.
Foi o suficiente para gerar o aborrecimento dele que evoluiu para agressões verbais.
– Trabalho que nem um cavalo de carga para que nada falte nessa casa e não consigo beber a porra do refrigerante que gosto.
O que mais o irritou é que ela não respondeu nada. Foi para a cozinha fazer o suco sem esboçar qualquer reação. Levantou-se da mesa, foi atrás dela e a agrediu com tapas, empurrões e gritos.
Aliviado depois do seu momento de fúria, voltou à mesa e jantou, sem esquecer de beber dois copos da limonada suíça açucarada.
Dias após, a mulher que apanhava do marido teve coragem de contar à mãe a violência sofrida. A mãe a censurou e ressaltou o quanto o genro era especial. Incentivou-a a orar e vigiar para não dar motivos de aborrecimentos.
Encorajada, chegou a um consultório de psicologia à procura de ajuda. A sua fala demonstrava a sua condição:
– Meu marido é um homem de Deus, um homem maravilhoso. Se ele me bate, é porque eu devo dar motivos. Eu não devo ser uma pessoa boa porque eu apanho de um homem de Deus!
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Após narrar esse caso para as 13 mulheres que estavam na reunião de oração na quinta-feira na Igreja Batista do Leme, calei.
As evangélicas em questão não precisavam ser doutrinadas, muito menos sofrer uma sessão de letramento de ativistas ou sessão de terapia. Bem resolvidas, reagiram unidas ao caso com a sabedoria que Deus e a vida lhes deu.
– Provavelmente a mãe dela, que naturalizou a violência, sofreu esses abusos e achava normal a filha suportar as pancadas. Ela tinha que confrontar a mãe.
– Deus me perdoe, mas estou com vontade de sacudir essa tonta. Em que mundo você vive, Barbie?
– É ruim eu apanhar de homem, ainda está para nascer!
– E que velha sonsa, tomando o nome de Deus em vão!
– Pastor, ela não tinha que procurar psicólogo, era só se sentar na roda com a gente que essa história ia ter um outro final!
O riso foi geral naquela catarse. O tal do empoderamento do grupo, de não se sentir sozinha. Havia na roda: 3 brancas, 10 negras, 5 casadas, 3 viúvas, 3 solteiras, 2 divorciadas. Interessante o fato que mesmo que houvesse entre elas 2 advogadas, nenhuma fala remeteu à Lei Maria da Penha.
Mulheres evangélicas na favela, majoritariamente negras, como a Marina, afirmaram na roda de oração: Nós não somos mulheres submissas!
Amém, IGREJA!!!
