O Círio de Nazaré nas encruzilhadas do Brasil
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O Círio de Nazaré nas encruzilhadas do Brasil

Esse Brasil ritualizado está em risco, acossado pela intolerância dos fundamentalismos

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Por Luiz Antonio Simas/colunista do ICL

Professor de história, educador popular, escritor, poeta e compositor. Tem mais de 30 livros publicados sobre as culturas populares do Brasil. Foi finalista do Prêmio Jabuti em quatro ocasiões e ganhador do mesmo prêmio na categoria Livro do Ano de 2016, em parceria com Nei Lopes, pelo Dicionário da história social do samba (Civilização Brasileira, 2015). Suas canções foram gravadas por artistas como Maria Rita, Marcelo D2, Rita Benneditto, Douglas Germano, Moyseis Marques, Lúcio Sanfillippo e Fabiana Cozza.

Divulgação

No mês de outubro, em Belém do Pará / São dias de alegria e muita fé / Começa com intensa romaria matinal / O Círio de Nazaré.

Com esses versos dos compositores Dario Marciano, Aderbal Moreira e Nilo Mendes, a escola de samba Unidos de São Carlos (atual Estácio de Sá) desfilou em 1975 homenageando a grande celebração da fé paraense. O enredo foi reeditado pela Unidos do Viradouro, em 2004. A festa profana enredou-se na festa sagrada e daí surgiu um dos sambas de enredo mais bonitos da história do gênero.

À época, houve polêmica sobre a carnavalização de uma celebração do milagre da fé. Surgiram acusações de que o sagrado seria profanado, como se a sacralização do profano e a profanação do sagrado não fosse mesmo o fundamento das festas populares do Brasil.

O povo conta que o caboclo ribeirinho Plácido, em mil e setecentos, encontrou à beira do igarapé Murucutu, em Belém do Pará, uma pequena imagem de Nossa Senhora de Nazaré. Plácido recolheu a estátua e para ela montou um altar em casa. A imagem da santa, milagrosamente, reapareceu no mesmo igarapé onde tinha sido encontrada. O fato se repetiu: Plácido levou a santa para casa; a santa retornou à beira d’água.

Plácido concluiu que Nossa Senhora queria ficar à beira do Murucutu, e ali ergueu para ela uma capela. O povo do Pará, sabendo da notícia da volta da imagem, passou a visitar a ermida e reverenciar a Virgem Maria. É este o mito de origem da festa do Círio de Nazaré, que até hoje ritualiza em cortejo o misterioso retorno da santinha ao local onde fora encontrada.

A festa do Círio, ao longo dos tempos, se transformou em um rito de fé e celebração da vida em comunidade. É talvez a manifestação brasileira mais afeita ao afeto celebrado em festa e recriação, pelo rito, da miudeza provisória da vida. Esse Brasil ritualizado está em risco, acossado pela intolerância dos fundamentalismos que, ao louvar a Deus, celebram a supremacia do mercado, a ascensão do indivíduo como máquina de consumo e a morte dos sentidos coletivos da vida.

Festa é sacrifício (no sentido de transformar um objeto/corpo profano em sagrado, pela entrega/imolação). A dimensão do sacrifício é fundamental no Carnaval e na procissão do Círio de Nazaré; está no giro da baiana que carrega a fantasia pesada e nas mãos calejadas do fiel que segura a corda na procissão para agradecer a graça alcançada.

O Círio e o Carnaval são o que chamo de “festas de doação” — os participantes estão conscientes dos mitos representados e de seus símbolos. Por isso, paradoxalmente, são capazes de imolar a própria consciência e se diluir, como indivíduos, na beleza do corpo coletivo que, rezando como quem samba e sambando como quem reza, se entrega à experiência vigorosa de estar brasileiramente no mundo.

É por isso que em outubro, o mês do Círio de Nazaré, eu que não sei rezar me apego ao samba de enredo cantado no desfile (que também é procissão) e dele faço oração profana, com o desejo de “Feliz Cirio” ao povo paraense: Ó, Virgem Santa / Olhai por nós / Olhai por nós, ó Virgem Santa / Pois precisamos de paz.

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