Municípios na reserva Yanomami receberam R$ 96 mi do orçamento secreto
Municípios de Roraima onde terra Yanomami está localizada receberam milhões de reais em emendas parlamentares nos últimos três anos
Metropoles
Condisi-YY/Divulgação
Palco de crise humanitária envolvendo indígenas, Roraima também abriga a maior área demarcada do país, o território Yanomami. Cinco municípios ficam dentro da terra (Alto Alegre, Amajari, Caracaraí, Iracema e Mucajaí), disputada por garimpeiros.
De 2020 a 2022, foram empenhados (reservados) R$ 96,3 milhões em emendas do relator-geral (RP9), o chamado “orçamento secreto”, aponta levantamento do Metrópoles. Os recursos foram encaminhados aos cofres das prefeituras e do estado por deputados federais e senadores. Não está claro quanto desse montante chegou a ser executado (pago de fato).
De acordo com o levantamento, o maior valor foi direcionado para o município de Alto Alegre, que recebeu mais de R$ 36,8 milhões nos últimos três anos. Em seguida, vem a cidade de Caracaraí, com R$ 23,2 milhões; Amarajarí com R$ 22,7 milhões; e por último Iracema com R$ 13,5 milhões.
Não constam quantias reservadas por meio de emendas para Mucajaí.
Apesar de serem defendidas pelo Centrão como “Orçamento Municipalista”, as chamadas emendas de relator foram consideradas inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por causa da falta de transparência em relação às informações sobre a origem e o destino.
Uma liderança Yanomami ouvida pelo portal em caráter reservado explicou que as populações indígenas encontram dificuldade quando procuram atendimento nos municípios dentro da reserva. “Quando procuramos atendimento, vamos para Boa Vista. Não é de interesse do prefeitos ou dos vereadores, pois eles alegam que não temos títulos, que não votamos”, afirmou.
Ele relatou ainda que o município do Alto Alegre é muito frequentado por políticos, como os deputados Nicoletti (União) e Edio Lopes (PL) e o senador Hiran Gonçalves (PP-RR).
“Esse pessoal fala que o garimpo sustenta Roraima”, disparou.
Benfeitores
O parlamentar que mais indicou emendas para os munícipios da terra indígena foi Jhonatan de Jesus (Republicanos), com R$ 37 milhões. Foram R$ 18 milhões para Mucajaí e R$ 8 milhões para Alto Alegre e Caracaraí, além de R$ 3 milhões para Iracema.
O senador Chico Rodrigues (PSB) enviou R$ 34 milhões para as cidades de Amajarí, Caracaraí, Iracema, Mucajaí e Alto Alegre. O também senador Mécias de Jesus (Republicanos) está em terceiro lugar, com R$ 22,7 milhões em emendas, a maior parte para Amajari.
O deputado Haroldo Catedral (PSD) mandou R$ 7,8 milhões para Alto Alegre e R$ 5,2 milhões para Caracaraí. Os valores constam em gastos indicados como RP-9 ao STF e em planilhas publicadas no site do Congresso. No entanto, as quantias declaradas pelos parlamentares nem sempre correspondem à totalidade das verbas.
Hiran Gonçalves (PP), por exemplo, não informou ao STF que, em 2020 e 2021, enviou dinheiro para a compra de dois tratores destinados à comunidade indígena do Boqueirão e outro para a comunidade do Sucuba.
Prefeito de Alto Alegre comemora compra de tratores para indígenasReprodução/Instagram
Prefeito comemora obras em comunidade indígenaReprodução/Instagram
O prefeito de Sucuba é Pedro Henrique Machado (PSD). Eleito em 2020, o jovem político usou as redes sociais para agradecer a Hiran Gonçalves a verba. “Esse projeto beneficia diretamente mais de 40 famílias, nas comunidades do Sucuba e Raimundão, gerando empregos e movimentando a economia nas comunidades indígenas”, escreveu em seu Instagram. Apesar disso, a única quantia declarada pelo deputado, no valor de R$ 3 milhões, foi destinada em 2022.
O ex-deputado federal Haroldo Cathedral (PSD), não reeleito em 2022, declarou ao STF que indicou, entre 2020 e 2021, cerca de R$ 30 milhões em emendas de relator. Em 2022, ele direcionou mais de R$ 5 milhões do orçamento secreto para os municípios da reserva (Caracarai, Iracema e Alto Alegre).
Crise Yanomami
Exposta durante a visita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no dia 21 de janeiro, a crise humanitária do povo indígena Yanomami se tornou epicentro de uma série de denúncias de garimpos ilegais em Roraima, no extremo Norte do país.
A terra indígena fica localizada na fronteira entre Brasil e Venezuela, com população nos dois países. O lado brasileiro abriga cerca de 27 mil indígenas, conforme levantamento da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai)/Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) de 2019.
Durante a gestão de Jair Bolsonaro as denúncias de omissão e negligência do Poder Público explodiram. A situação piorou durante a pandemia de Covid-19. O governo bolsonarista chegou a incentivar garimpos na região.
Orçamento secreto
A nova modalidade de emendas parlamentares foi criada em 2019, mas teve início em 2020. O mecanismo ampliou em bilhões as injeções de recursos em redutos eleitorais de deputados e senadores. Entretanto, as emendas de relator-geral (RP9) foram objeto de críticas durante o governo de Jair Bolsonaro, principalmente após a eleição de Arthur Lira (PP-AL) à presidência da Câmara.
Sem transparência, as RP9 foram apelidadas pela imprensa de “orçamento secreto”, pois, diferentemente das outras modalidades de distribuição de recursos aos parlamentares, não tinham critério definido, padronização para a transparência e fiscalização.
Congressistas afirmam que nem todos são agraciados com as emendas e que elas seriam usadas para garantir quórum em votações importantes para o governo, como propostas de emenda à Constituição (PECs) – inclusive, as RP9 vieram à tona após reportagem do jornal O Estado de S.Paulo.
O esquema revelado pelo jornal em 2021 mostrava que o Congresso criou orçamento paralelo de R$ 3 bilhões para a compra de tratores e equipamentos agrícolas por preços até 259% acima dos valores de referência fixados pelo governo.
Tipos de emenda
- Individuais: cada parlamentar decide onde alocar o dinheiro;
- De bancada: emendas coletivas, elaboradas por deputados do mesmo estado ou região;
- De comissão: emendas coletivas de comissões permanentes da Câmara ou do Senado.
Outro lado
A reportagem procurou as prefeituras de Alto Alegre, Amajari, Caracaraí, Iracema e Mucajaí para comentar se os recursos enviados por parlamentares usando o orçamento secreto foram aplicados nas comunidades indígenas, mas até a publicação deste texto não houve resposta. O espaço segue aberto.
Os gabinetes dos deputados reeleitos também foram procurados, mas não se manifestaram. O portal não conseguiu o contato das assessorias de Édio Lopes, Haroldo Cathedral, Ottaci Nascimento, Rrenato Queiroz e Shéridan. O espaço segue aberto.
A assessoria do senador Chico Rodrigues (PSB) informou que os recursos indicados pelo parlamentar são decididos com base em pedidos das prefeituras. Já a averiguação da situação dos indígenas da região “não é algo de agora”, arrasta-se por mais de 20 anos.
“O Mirante de Tepequém, para onde o recurso de R$ 4 milhões foi encaminhado, fica muito distante e é uma área de turismo. É função da prefeitura decidir se vai ou não construir o mirante, sendo 40 quilômetros de distância. O local é complicado para entrar”, diz a assessoria. “O senador Chico Rodrigues se preocupa com os yanomami”, completou.
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