Grupo que organiza eventos com Bolsonaro nos EUA possuem negócios ligados à pecuária no estado do Pará
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Grupo que organiza eventos com Bolsonaro nos EUA possuem negócios ligados à pecuária no estado do Pará

www.brasil247.com - Jair Bolsonaro
Jair Bolsonaro (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Sputnik – Em 11 de fevereiro, o ex-presidente brasileiro fez uma rara aparição pública no estado da Flórida, nos EUA, em evento organizado pelo grupo Yes Brazil USA, que se autodenomina uma “entidade de direita […] centrada em fundamentos judeu-cristãos de suporte à família”.

O evento, realizado em uma igreja evangélica na cidade de Boca Raton, contou com cerca de mil participantes, que pagaram ingressos de entre R$ 52 e R$ 260 para ver Bolsonaro da plateia, da sala VIP, especial, ou até reservada.

Os idealizadores do movimento são o casal Larissa e Mário Martins, que possuem negócios ligados à pecuária no estado do Pará, mas residem na Flórida.

Mário Martins é herdeiro político do pecuarista Antônio Pedro Martins Junior, que chegou a assumir uma cadeira no Senado brasileiro como suplente, em 1958. Após o golpe de 1964, o avô do brasileiro expatriado na Flórida se filiou à Arena, partido de sustentação da ditadura brasileira.

Assim como o predecessor, Mário Martins ocupou cargos de chefia em associações de pecuaristas do Pará, como a Associação Rural da Pecuária do Pará. De acordo com sua página na rede social LinkedIn, Mário retira seu sustento do abate de bovinos e bubalinos e da exportação de “cortes nobres” de carne.

O casal Martins comanda YES Brasil EUA desde 2018 e planeja expandir suas atividades não só para outros estados norte-americanos, mas também para países como Portugal, Reino Unido, França, Alemanha e Canadá.

Em entrevista ao Brazilian Times, o casal revela ter organizado o YES Brazil USA após o episódio da facada, durante as eleições presidenciais de 2018. A primeira página do grupo no Facebook inicialmente contou com poucas interações, até que “repentinamente começou a viralizar”.

O casal diz ter tido papel relevante na eleição de Bolsonaro em 2018, por ter organizado manifestação de apoio à candidatura que reuniu mais de 1.500 pessoas na Flórida, o que, segundo Mário Martins, seria “a maior manifestação de apoio a um candidato a presidente realizada fora do Brasil”.

O idealizador do YES Brazil USA ainda reivindica para si o crédito pela ampla votação que Bolsonaro recebeu dos brasileiros residentes na Flórida em 2018.

Já em 2022, o grupo contava com cerca de 3.000 membros concentrados na região sul da Flórida. De acordo com pesquisa de 2021 do Bureau do Censo dos EUA, cerca de 115.000 brasileiros vivem na Flórida, o que representa mais de um quinto de todos os brasileiros residentes no país.

O jornalista investigado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) Allan dos Santos é figura carimbada nos eventos do grupo. Mário Martins e Allan dos Santos estiveram juntos em protestos organizados por ocasião da visita dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) a Nova York .

O YES Brazil USA também é ligado a figuras como o ex-presidente do PTB Roberto Jefferson, atualmente encarcerado em Bangu 8, acusado por tentativa de homicídio contra quatro policiais federais. Assim como Allan dos Santos, o político foi palestrante no Congresso Conservador Brasileiro na Flórida organizado pelo grupo de Martins. Além disso, o YES Brazil USA contou com o apoio do movimento #NasRuas, ligado ao PTB de Jefferson, para organizar motociata na Flórida, em setembro de 2021.

O grupo comandado por Martins ainda nutre ambições para além da política brasileira. Um de seus membros, o presidente da Universidade Cristã da Flórida (FCU, na sigla em inglês) Bruno Portigliatti, foi candidato à Câmara dos Representantes do estado norte-americano em 2022.estadual na Flórida 

No entanto, o apoio de figuras como Eduardo Bolsonaro não foi o suficiente para alavancar a carreira política de Portigliatti, que foi derrotado ainda nas primárias internas do Partido Republicano, em agosto de 2022.

 A ligação com a Igreja

O evento com Bolsonaro organizado pelo YES Brazil USA foi realizado na igreja evangélica Church of All Nations, ligada à organização pentecostal norte-americana Assemblies of God.

Fundada em 1914 nos EUA, a organização é a maior denominação pentecostal da atualidade, com mais de 69 milhões de membros filiados internacionalmente. A Assembleia de Deus brasileira, comandada por Silas Malafaia, é intrinsecamente ligada à Assemblies of God norte-americana desde o início das atividades de ambas as organizações.

O YES Brazil USA nutre claras afiliações religiosas, tanto no sentido organizacional, quanto religioso. O pastor Cláudio Martins, membro do grupo, que se responsabiliza pelas atividades da agremiação na região metropolitana da capital dos EUA, Washington, disse em entrevista ao Brazilian Times que “a expectativa é que os brasileiros se unam para a independência e Grito da Liberdade”.

Por outro lado, a pastora norte-americana da igreja Church of All Nations, que recebeu Bolsonaro em 11 de fevereiro, Jennifer Chenoweth, disse ao jornal local Palm Beach Post que a congregação não estava envolvida na recepção do ex-presidente brasileiro e que “não tinha conhecimento sobre o evento”. No entanto, a pastora reconheceu que sua congregação conta com um número significativo de fiéis brasileiros.

De acordo com o professor de história da UFRJ Francisco Carlos Teixeira da Silva, a expansão do fundamentalismo evangélico norte-americano é um processo de longo prazo, que coloca em risco a manutenção do Estado laico moderno.

“Há um trabalho de longa duração pela evangelização do mundo, com o envio de missões religiosas para diversos países”, disse Teixeira da Silva à Sputnik Brasil. “O projeto tem um elemento fundamentalmente antidemocrático e antirrepublicano, que é a indistinção entre a esfera pública e privada.”

Para ele, a chamada “pauta de costumes” defendida por esses grupos coloca em risco princípios básicos da democracia ocidental, como o Estado laico: “A religião se pratica dentro de casa e dentro dos templos. Pisou na rua, somos todos cidadãos”.

 Influência da extrema direita norte-americana no Brasil

Teixeira da Silva aponta que a extrema direita brasileira não pode ser encarada como simples caudatária da sua homóloga norte-americana. Segundo ele, o pensamento bolsonarista conta com fontes históricas nacionais, como o passado escravista e as heranças de movimentos integralistas e nazistas no Brasil.

Na contemporaneidade, o movimento bolsonarista bebe de fontes como o fundamentalismo evangélico e a ascensão de regimes autoritários em países do Leste Europeu.

“Mas existem algumas coisas em comum entre a extrema direita dos EUA e Brasil, como a organização de milícias armadas e a tentativa de insurreição”, apontou o especialista. “Desde o início do governo Bolsonaro estamos assistindo à formação de grupos armados e uniformizados com a camisa da seleção brasileira, usando a bandeira como um manto.”

 Segundo a pesquisadora do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Estudos dos Estados Unidos (INCT-INEU) Lívia Milani, o presidente Lula tentou contra-atacar ao articular alianças entre movimentos progressistas dos EUA e Brasil durante sua recente visita a Washington.

 Apoiador do candidato presidencial Jair Bolsonaro usa uma máscara representando o presidente dos Estados Unidos Donald Trump durante as comemorações na Avenida Paulista, em São Paulo

“O recente encontro entre Lula e Bernie Sanders e demais legisladores progressistas como Alexandria Ocasio-Cortez, representa uma tentativa de articular melhor esses movimentos e aumentar a interlocução”, notou Milani.

A especialista nota, no entanto, que o alinhamento ideológico entre movimentos progressistas não é automático, já que nos EUA a abordagem é “bastante liberal e não necessariamente inclui temas como combate à desigualdade ou à fome, que são centrais para o governo brasileiro”.

O combate à extrema direita também está no topo da agenda de cooperação bilateral entre Lula e Biden, apontou Milani.

“Esse tema é central […] e foi o primeiro a ser citado na declaração conjunta entre Lula e Biden”, disse Milani. “A questão será tratada nesse diapasão do enfrentamento a atos golpistas e de descrédito da democracia que vem de grupos da extrema direita.”

 No entanto, ela nota que a aliança entre EUA e Brasil nessa área ainda não está institucionalizada e, por enquanto, se resume a um “compromisso político”.

Não é só no nível internacional que o combate à extrema direita não está devidamente institucionalizado. Para Teixeira da Silva, o governo Lula ainda não se mobilizou nacionalmente para lidar com as causas sociais da ascensão de grupos extremistas.

“Não há nenhum sinal até agora de que instrumentos importantes como as redes de televisão pública, ou o Ministério da Cultura, ou de Direitos Humanos, tenham trabalhado nas causas [da propagação de ideias extremistas] no Brasil”, notou o professor da UFRJ.

O pesquisador cita a necessidade de o Estado garantir opções de lazer e se focar na educação básica para reforçar os ideais democráticos no Brasil. “A escola não educa só crianças, ela educa a sociedade inteira”, concluiu o especialista.

No dia 11 de fevereiro, o ex-presidente Jair Bolsonaro participou de evento organizado pela organização YES Brazil EUA, na Flórida. A agremiação atua desde 2018 e conta com aliados como o jornalista Allan dos Santos e o político Roberto Jefferson, ambos atualmente enfrentando processos na Justiça brasileira.

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